Nos últimos meses, têm sido muitos os artigos de opinião publicados sobre a possível formação de uma bolha imobiliária em Portugal, prestes a rebentar.
O tema já não é novo, e tem sido recorrente desde 2015, altura em que os preços da habitação começaram a disparar em Lisboa, Porto e Algarve, contagiando depois progressivamente, e de forma mais ou menos evidente, o resto do país.
No entanto, tem sido evidente para todos que o rendimento dos portugueses não cresceu na mesma proporção, tornando portanto a habitação cada vez mais inacessível à generalidade da população, em especial nas zonas centrais das grandes cidades do país.
Mas então, há, ou não há, uma bolha no mercado residencial, prestes a rebentar?
As origens
Na sequência da crise do subprime em 2008 nos EUA e da crise da dívida em 2011 na Europa, os bancos centrais apostaram numa injeção de liquidez e numa redução de taxas de juro, por forma a sair de uma crise financeira mundial, impulsionar a economia e o emprego.
Do ponto de vista dos ativos financeiros e do imobiliário, foi o rastilho para uma trajetória de valorização, que se mantém até hoje.
Estas condições financeiras extremamente favoráveis à contratação de dívida e penalizadoras do aforro tradicional, levou a que muitos (particulares e investidores profissionais) não encontrassem melhores alternativas risco benefício que o investimento imobiliário.
Simultaneamente, com o advento das companhias aéreas low-cost e do fenómeno do alojamento local, Portugal, país periférico, beneficiou de uma forte procura turística, para além do habitual boom durante o verão algarvio.
Esta massa turística, reorientada para o centro das cidades e com uma sazonalidade bastante mais favorável, criou uma oportunidade de negócio evidente para serviços de restauração, alojamento e diversão. O imobiliário é um ponto fulcral nestes serviços.
Simultaneamente, uma procura desesperada dos investidores por rendimento, num mundo de taxas de juro zero, ou negativas (na zona euro) e de liquidez abundante, com uma oferta inferior à procura, levou a que demasiados disputassem os mesmos ativos. Encarecendo-os.
Por uma questão de gestão de risco e de margens de lucro, dado que existem poucas barreiras à movimentação de capitais entre geografias no mundo moderno, nasceu uma nova subespécie: “o investidor imobiliário internacional”.
O Investidor Imobiliário
Fenómeno internacional, organizado individual, ou colectivamente, alicerçado, ou não, em parcerias locais (gabinetes de advocacia, agentes imobiliários, empresas de construção…), cobiça para rendimento imóveis destinados a uso habitacional.
Esta finalidade financeira do imobiliário não é nova, mas no nosso país, já pouco dado ao arrendamento de longa duração, veio agitar ainda mais a competição pelos ativos disponíveis, num formato a que já não estávamos habituados, desde que em 1974 o governo português implementou uma nova vaga de legislação com vista ao controlo das rendas (e que praticamente acabou com o investimento no mercado de arrendamento e acelerou a degradação do parque habitacional nacional).
Esta tendência de ser proprietário da sua própria habitação sofreu novo e decisivo impulso em 1995, com a entrada no mercado comum e o processo de adesão ao euro, onde se dá início a uma significativa descida das taxas de juro de referência (em 1993…. 17%, em 2003…. 3%!!!) e a um novo regime de crédito à habitação e facilidade de acesso ao crédito bancário.
Mas esta onda de investimento financeiro agrava ainda mais o desequilíbrio entre a procura (originada nas famílias nacionais) e a oferta (centrada no segmento alto e nos investidores).
A questão é que com a atual dinâmica do mercado os investidores dominam. Será por muito mais tempo?
O lado da Oferta
O nosso país é conhecido por ter um dos maiores rácios de habitação/agregado fiscal da UE.
Na verdade, este rácio, pode ser um pouco enganador. E tem uma possível explicação na forma como o número de fogos existentes é contabilizado na estatística. Não é ponderado por fatores como “condições de habitabilidade” e/ou “disponibilidade efetiva”.
Segundo o CENSOS 2021 só 20% dos edifícios em Portugal têm menos de 20 anos. E sabendo da fraca apetência nacional para a manutenção e modernização das habitações, apesar da grande aposta na renovação do parque habitacional do centro das grandes cidades nos últimos, há muitíssimo a fazer para melhorar as condições de habitabilidade.
Como resultado da imigração ao longo de décadas para o litoral, uma grande parte do imobiliário residencial do interior do país está ao abandono há décadas.
Se somarmos a isso o facto de termos uma população envelhecida, a viver em prédios degradados (só na área metropolitana de Lisboa estimam-se em 50.000 devolutos e 27.000 insalubres e/ou inseguros), com rendas antigas, sem possibilidade de uma atualização real, e mesmo quando por morte do inquilino estes ficam devolutos é usualmente difícil a sua colocação no mercado (por questões de partilhas familiares e outras), percebemos que se em “termos brutos” temos um número de fogos muito superior às necessidades das famílias, em “termos líquidos” já não é bem assim. Em especial nas grandes cidades.
Se não é fácil aceder a terrenos e/ou prédios devolutos em zonas onde as necessidades da população são satisfeitas (preço acessível, perto do trabalho, de serviços, etc.), o grande desenvolvimento vem tipicamente das zonas limítrofes e de “pequenas ilhas” onde ainda há espaço livre para construir em altura a custos razoáveis.
Mas com o custo de desenvolvimento a disparar (preços dos materiais, mão de obra e financiamento), mesmo aí está a ficar extremamente difícil para a maioria da população…
Já a leitura estatística do INE, indica que após um pico de licenciamentos de edificação em 2007 (média mensal 5500 licenças) este ano passado de 2022 - em linha com os 4 anteriores (2100 licenças/mês) - não chega, portanto, nem a metade do que outrora já se fez por cá. E se verificarmos o n-º de certificados energéticos atribuídos no mês de Janeiro para projectos de edifícios - 3100 edificação nova, 614 edificação renovada - nada indica, para já, uma inversão na vontade dos promotores imobiliários, uma vez que este n.º está em linha com os últimos anos. Por esse lado, da edificação, não se vislumbra portanto um aumento em volume que possa fazer reverter os preços de venda.
Já pelo lado da oferta de casas à venda em Portugal (novas e usadas). Segundo o CI terão diminuído para 47.
300 fogos no 4º trimestre de 2022. Um mínimo de 15 anos, que tanto pode significar um “esperar para ver”, como o início de uma paragem do mercado.
Neste momento, o que seguramente resulta é numa cada vez maior dificuldade de acesso à habitação por parte das famílias portuguesas - o mercado tradicional de habitação.
E se a montanha não vai a Maomé…Maomé vai à montanha… ou de outra forma: se o mercado não resolve as necessidades da população, os políticos exploram a oportunidade de o fazer…como já o fizeram tantas vezes no passado em Portugal.
As opções políticas de regulação do mercado que aí vêm
Na UE existem diversos exemplos (concretamente 16, segundo notícia de 17/01/23 no DN) de países que têm legislação em vigor para controlo de rendas em geral, e/ou restrições na venda de imobiliário residencial a estrangeiros em particular. Pelo que esta opção de controlar politicamente o mercado, não nem original, nem recente. Simplesmente “renova-se”.
O que já se sabe do OE 2023:
Limitação da isenção de IMT para sociedades imobiliárias, como forma de combater a revenda especulativa;
Limitação aos montantes de adiantamentos de rendas e cauções, como forma de facilitar o acesso da população ao arrendamento de longa duração;
Majoração dos valores cobrados em sede IMI para prédios em zonas de pressão urbanística (100% se for um AL, 35% se for um aluguer de longa duração);
Majoração em 300% do IMI para imóveis devolutos há mais de um ano, ou em ruínas, e em 30% nos degradados.
E ainda que o PRR será utilizado para uma reforma do parque habitacional público, em conjunto com as autarquias, como forma de dar resposta às famílias, tendo como meta construir 26 mil novos fogos para quem não tem acesso a habitação condigna.
O governo conta ainda apresentar em breve a nova lei de bases da habitação, onde estarão incluídas medidas para: “existirem mais solos urbanos, para promover mais habitação; recolocar no mercado fogos devolutos; incentivos fiscais ao arrendamento”.
Para além disto, juntam-se as vozes na oposição ao governo, como Mariana Mortágua, que em recente entrevista ao ECO, afirma que a melhor ação política possível para um aumento da oferta habitacional, mais do que impor tectos de rendas e limitar o AL, é obrigar os proprietários a colocarem no mercado os imóveis que mantêm devolutos.
Mas estas ideias políticas também não são propriamente novas. Sempre houve legislação mais ou menos nesse sentido (obrigatoriedade de obras de manutenção, penalização de IMI, etc.). Mas tem sempre falhado na execução…será que é desta que vai surtir efeitos práticos?
Do lado Procura
Sendo Portugal “um país de proprietários", com um mercado de arrendamento minúsculo, um aspecto logo relevante é o custo e a facilidade de acesso ao crédito bancário para famílias e investidores.
Nesta altura a questão da liquidez não parece preocupante. A banca nacional está com rácios de transformação bastante baixos e o volume de empréstimos concedidos tem sido crescente nos últimos anos. Mas já a questão do incumprimento, com a subida das taxas de juro, se revela preocupante - o que pode levar a um aumento do volume do incumprimento e a renegociações forçadas pelo atual enquadramento legal (quando a taxa de esforço é superior a 36%).
Será sempre um movimento negativo para a banca (com introdução de períodos de carência e de prolongamento de prazos de amortização), mas tudo depende do número de contratos atingidos e da desvalorização contabilística das hipotecas. Aqui o setor bancário poderá sempre ter uma atitude de mitigação de risco e começar a dificultar o acesso ao financiamento.
Quanto ao custo do crédito bancário, temos de considerar o forte aumento das taxas euribor, resultado da normalização e adaptação da política monetária do BCE e, em sentido contrário, eventuais movimentos de conquista de quota de mercado na banca, traduzidos em descidas do spread.
Este processo está em curso, vamos ver como se estabiliza, mas, para já, a tendência observada pelo BdP (inquérito aos bancos sobre os mercados de crédito) foi de deterioração ligeira nas condições de acesso ao financiamento bancário, mas uma acentuada travagem na procura de crédito (as famílias e investidores poderão estar já a sentir o efeito do aumento das taxas de juro).
Outro processo em curso relevante é o inflacionário.
Este tem exponenciado os custos dos materiais de construção e reduzido o poder de compra das famílias e dos investidores. O que impactará negativamente na procura.
Bolha no mercado imobiliário residencial prestes a rebentar. Sim ou não?
Primeiro é preciso perceber se de facto se formou “uma bolha”.
A percepção generalizada, no sentido de ter havido já diversos avisos sobre a rápida expansão dos preços das casas nos últimos anos, é que sim, há uma bolha especulativa. O que, para muitos, configura suficiente indício que “algo vai correr mal” em breve.
Mas qual a dimensão do problema? Ou a dimensão da dita bolha? A acontecer, trata-se de uma queda de preços na ordem dos 10%, 50%, mais?
Este valor é fundamental para se perceber quantas casas/famílias, proprietários/investidores, poderão ver o valor de mercado do seu ativo ficar abaixo da hipoteca contratada (quem comprou/investiu mais recentemente em habitação com recurso a crédito bancário fica em maior risco).
Se este número for muito grande, os ativos da banca serão depreciados e teremos nova crise bancária/financeira, secando a liquidez e parando o investimento…
Mas para isso acontecer, que sinais podemos esperar?
Primeiro, por uma questão de desconfiança, a procura retrai-se e os investidores recuam nas intenções de investimento. É o “esperar para ver”. O fim da fase da euforia (durante a última crise o índice de confiança na construção fornecido pelo INE apresentou valores consistentemente negativos desde o início dos anos 2000, sendo -30 em 2007 e -65 em 2013).
Depois, o número de transações diminuiu acentuadamente (entre 2007 e 2013, período agudo da última crise, os contratos de compra e venda celebrados para prédios urbanos, rústicos e mistos caíram 50%).
Por último chega a confirmação: quem efetivamente necessita de vender, tem de o fazer a um preço mais baixo para atrair compradores com capacidade financeira e tolerância ao risco. Estamos na fase da “depressão”. Poucos acreditam no mercado.
Convém lembrar que, chegados aqui, a disponibilidade de “alvos” para investimento e/ou uso próprio familiar, diminui bastante. Na última crise isso notou-se (quem tem bons ativos e não necessita de vender, aguarda…) e vínhamos de um volume de produção de construção como nunca mais se repetiu. Se fosse com a envolvente atual, quantos “aflitos” entrariam no mercado “a desconto”?
Mas, como diz o ditado: “só quando a maré vaza, se vê quem andava a nadar nu”.
E o que esperar da envolvente macroeconómica?
1. Os investidores nos últimos anos andaram numa louca demanda por “yield”. Com as taxas de juro dos depósitos a prazo a pagarem zero e as yields das obrigações de menor risco, em valores irrisórios, poucas alternativas percepcionadas como seguras sobram.
O imobiliário foi uma grande fuga para a rentabilidade.
Mas o panorama mudou.
Os bancos centrais mundiais, para combater uma inflação ameaçadora, começaram a subir as taxas de referência, levando os investidores a fazer uma reavaliação do risco/retorno dos seus investimentos.
2. As famílias terão um teste de resiliência já durante este ano de 2023.
Com as prestações do crédito hipotecário a disparar e simultaneamente o custo de vida a aumentar (pela chegada em força da inflação), muitos orçamentos familiares terão de ser forçosamente revistos.
3. A economia e o emprego são variáveis também fundamentais para o comportamento do mercado imobiliário.
Segundo os dados mais recentes do INE, a economia portuguesa evitou para já uma recessão. Mas é notório um abrandamento da atividade e que a confiança dos investidores estará a vacilar. Quanto ao desemprego, aumentou para 6,5%.
4. Acompanhar atentamente a facilidade com que a banca concede crédito. Até agora foi relativamente fácil, mas se mudar, vai haver muitos “aflitos” que de repente descobrem que estavam sobreendividados (promotores, investidores e famílias).
Não nos parece haver indícios suficientes para acreditar num “descalabro” imediato no mercado imobiliário. Mas a euforia pode ter passado.
A conjuntura macroeconómica e política dos últimos anos, extremamente favorável ao investimento imobiliário, pode ter já iniciado uma mudança, ou ter sido apenas interrompida.
Veremos como se vão comportar as variáveis fundamentais nos próximos meses.
Para terminar, se tivéssemos que deixar aqui umas recomendação rápidas para este ano, estas seriam:
Não pare os seus (bons) projetos, mas mantenha o endividamento a níveis confortáveis;
mantenha alguma liquidez disponível para agarrar boas oportunidades que surjam;
venda os ativos não rentáveis, ou não alinhados com a sua estratégia de investimento.
Bons negócios! Bom ano!
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