Dados publicados recentemente dão a conhecer uma realidade que, na primeira leitura, parecem uma discrepância, ou uma dissonância, do que poderia ser a realidade das nossas cidades, vilas - enfim das casas que por aí andam vazias, em geral.
Os número indicam uma discrepância entre o número de casas utilizadas em Alojamento Local e o número de habitações que se encontram registadas para este efeito.
E, grande surpresa, só 50% das casas registadas é que se encontram em plataformas relacionadas com o arrendamento de Alojamento Local.
Metade está licenciada mas, aparentemente, não lhes é dado esse uso.
Então os números com que temos sido bombardeados não são uma realidade? A massificação das cidades e vilas deste país com o Alojamento Local não é assim tão "real"?
Estará este registo no Alojamento Local a servir como arma e argumento de venda para muitos dos espaços, nomeadamente os que se encontram em zonas privilegiadas?
Haverá alguma relação com os problemas gerados pela pandemia?
Aparentemente, se os números tiverem uma correspondência com o trajecto destes indicadores, essa não será a única motivação.
Investidores imobiliários a realizarem a recuperação de edifícios, ou a construírem novos espaços, que se encontrem orientados para este tipo de negócio, apoiados numa maior disponibilidade financeira de investidores individuais ou pequenas empresas (por falta de alternativas de investimento financeiro de baixo risco ou risco moderado), parece ser uma motivação mais forte. Utilizando o licenciamento prévio como argumento para potenciar vendas.
Esta situação poderá estar a contribuir para uma redução do stock disponível para todos os que procuram uma alternativa de habitação nestas zonas e que acabam empurrados para a periferia, ou para situações com menores condições, fruto de uma especulação artificial de falta de habitação disponível.
Este tópico recordou-nos a abordagem que Adolfo Mesquita Nunes fez no seu livro "A Grande Escolha" relativamente a alguns dos problemas da habitação nas cidades, nomeadamente na sua relação com as habitações que se encontram desocupadas (que em algumas áreas são numa quantidade considerável) e o problema de falta de habitação, nomeadamente a custos acessíveis para a classe média, que não tem uma solução fácil.
Este é um tópico relevante, particularmente numa fase de eleições locais, onde tantos se exprimem e prometem soluções de habitação acessível e para que se possa trazer novamente habitantes para as cidades e vilas cada vez mais ocupadas por soluções turísticas e que vão perdendo a sua identidade e os motivos que trouxeram, em primeiro lugar os turistas.
Mas o que referia Mesquita Nunes afinal?
Como é natural não vamos reproduzir aqui o conteúdo do livro, somente referir alguns pontos. Quem tiver interesse é uma leitura interessante e dá uma perspectiva da globalização e das suas implicações.
A problemática que é levantada, e que é relevante nomeadamente para as famílias e para as cidades, remete-nos quer para as casas que se encontram desocupadas, como para os estímulos ao arrendamento, e a influência que o Estado pode ter nas situações existentes e na alteração da forma como o mercado funciona.
Podemos influenciar e estimular o arrendamento?
Pode o Estado acabar com a situação das casas desocupadas que existem aos milhares no nosso território?
Como reduzir a pressão, quando existe, da actividade turística na habitação e em todo o tecido urbano?
Como estimular o desenvolvimento e construção de mais habitação voltada, por exemplo, para o arrendamento?
Há soluções? Não é fácil.
Não é fácil passar a ocupar habitações que se encontram desocupadas, mesmo que estejam a entrar em degradação, por uma simples tomada de posse administrativa. isto porque essa falta de ocupação pode dever-se a múltiplas razões, como por exemplo a resolução de conflitos judiciais (heranças, partilhas, etc.) que por vezes demoram anos em tribunal a ter e encontrar uma solução;
As habitações não se encontrarem no mercado, nomeadamente no regime de arrendamento, nomeadamente porque os valores implícitos não se demonstrarem rentáveis para o proprietário. E acaba por ser uma violação da sua opção de manter a habitação fora do mercado, por exemplo para procurar uma alternativa como um investidor, realizando uma apropriação administrativa;
A burocracia implícita ao investimento e à recuperação por vezes demorar anos, o que leva a que imóveis não seja intervencionados e fiquem a aguardar licenciamentos dos próprios organismos estatais ou locais;
Se bem que muitas situações nos centros de cidades pudessem ser mitigadas, minoradas ou corrigidas, isso iria exigir uma intervenção activa e dinâmica por parte de autoridades que por vezes têm dificuldade em gerir e responder as necessidades apresentadas para o desenvolvimento de situações novas ou outras intervenções.
Assim, é complexo intervir nos processos do mercado, ou em situações aparentemente gritantes de assistirmos a património deixado ao aparente abandono, ou sem a sua disponibilização no mercado. Até porque as primeiras e fundamentais intervenções deveriam ser desenvolvidas por parte dos organismos públicos, que se não respondem às solicitações de outros investidores, como vão fiscalizar e intervir nestas situações?
Apesar de haver países e cidades onde foi possível desenvolver soluções que resolveram estes estrangulamentos e dinamizaram os mercados, disponibilizando habitação para a classe média a preços acessíveis e sem estarem condicionadas por valores inflacionados de um mercado que continua a reclamar "falta de stock".
E uma das conclusões será de que a intromissão e regulamentação de determinadas situações, possuem implicações e ramificações que se projectam para além do impacto (por muito positivo que se pretenda que seja) pretendido com essas intervenções.
Por exemplo, estimulando os privados a abandonar os mercados e a actividade por redução do interesse com o condicionamento das rentabilidades e da sua auto regulação ou livre mercado.
Cidades por toda a Europa lutam à algum tempo contra este estado de coisas.
Um dos poucos exemplos com sucesso é Viena de Áustria.
Será que vamos, mais uma vez, deixar evoluir a situação (como foi o caso das rendas congeladas) até não haver soluções exequíveis que não prejudiquem os habitantes locais (particularmente as classes mais baixas)?
Qual a estratégia que deveria ser central e abrangente para todos os portugueses?
Será que a resposta das ARU é suficiente? Ou vamos começar a construir bairros sociais para todos os que não conseguem outra forma de habitação ou um crédito bancário, num estado centralizado e autoritário?
E esses chamados "bairros sociais" voltarem a ter a sua afectação a determinados segmentos, ou mesmo a habitual conotação negativa, não vamos manter o mesmo estado de coisas?
Será que é algo que os candidatos às diferentes autarquias estão a equacionar, ou haverá mais promessas vãs? E se não, então que políticas implementar?
Respostas e soluções procuram-se...
Qual a vossa opinião neste assunto? Como poderemos contribuir para uma melhoria e dinamização deste mercado de modo a que sirva todos, e não somente o turismo ou as habitações de luxo?
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